STJ veda requisição direta de dados do Coaf sem autorização judicial
A 3ª Seção do STJ decidiu, por maioria de 6 votos a 3, que é inviável a solicitação direta de RIFs - Relatórios de Inteligência Financeira pelo MP ou Polícia junto ao Coaf sem autorização judicial prévia.
A Corte firmou a seguinte tese:
"A solicitação direta de relatório de inteligência financeira pelo Ministério Público, ao Coaf, sem autorização judicial é inviável. O Tema 990 do STF não autoriza requisição direta de dados financeiros por órgão de persecução penal sem autorização judicial."
Apesar da posição adotada pela Corte da Cidadania, o STF ainda não consolidou entendimento quanto à possibilidade de requisição direta de dados pelo MP. Em 2019, o Supremo validou apenas o compartilhamento espontâneo dessas informações.
Enquanto perdurar essa indefinição, a 3ª seção do STJ manterá o entendimento de que são ilegais todos os RIFs obtidos mediante requisição direta pelo MP.
Posição do Ministério Público
O procurador-geral de Justiça do RJ, Antônio José Campos Moreira, defendeu o acesso direto do MP aos RIFs. Argumentou que organizações criminosas transformaram a dominação territorial em atividade econômica principal, sendo a investigação patrimonial o meio mais eficaz de enfrentamento. Afirmou que o RIF não representa quebra de sigilo bancário e que seu uso é regulado internamente pelo MP, com respeito ao devido processo legal.
O subprocurador-geral da República, Roberto Oppermann Thomé, sustentou a legalidade do compartilhamento com base em tratados internacionais. Afirmou que impedir o repasse direto ao MP compromete a eficácia das investigações em crimes complexos, como lavagem de dinheiro e corrupção.
Argumentos da Defesa
A advogada Luiza Oliver, sócia do escritório Toron Advogados, não contestou a licitude do RIF, mas defendeu a exigência de controle judicial prévio. Alegou que os relatórios contêm dados sensíveis e que o acesso direto por MP ou polícia, sem autorização judicial, pode gerar abusos.
Outro advogado de defesa também fez sustentação oral na Corte, citando o caso de um escritório de advocacia que teve um RIF requisitado com centenas de nomes, sem investigação formal. O relatório ficou oculto por mais de um ano e serviu como base para um inquérito, sem controle judicial. Para a defesa, isso configura fraude processual e fishing expedition.
Voto do Relator
O ministro Messod Azulay Neto contextualizou o debate sobre o compartilhamento de RIFs pelo Coaf, destacando que o Tema 990 do STF trata apenas do compartilhamento espontâneo de dados pela Receita e pelo Coaf.
Segundo ele, essa tese não autoriza que o MP ou a polícia solicitem ativamente relatórios sem autorização judicial.
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O relator também reforçou que o Coaf não investiga nem quebra sigilo bancário, apenas recebe comunicações obrigatórias de instituições como bancos e cartórios, e elabora relatórios sobre movimentações financeiras atípicas. Por lidarem com informações financeiras protegidas, esses relatórios são considerados dados sensíveis.
Para Messod, mesmo com a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo, a requisição ativa exige controle judicial. Ressaltou que o acesso direto ao RIF, ainda que não represente quebra formal de sigilo, envolve informações sensíveis e exige reserva de jurisdição.
O ministro também destacou a falta de consenso no STF: a 1ª turma admite a requisição direta, enquanto a 2ª adota posição mais restritiva. Diante disso, afirmou que cabe ao STJ estabelecer uma posição clara até que o Supremo decida em plenário.
Por fim, concluiu que ampliar o alcance do Tema 990 para permitir requisições ativas viola o princípio da reserva de jurisdição. Votou pela ilicitude das provas obtidas diretamente pelo MP junto ao Coaf, determinando seu desentranhamento dos autos.
Acompanharam o relator, os ministros Otávio de Almeida Toledo, Sebastião Reis Júnior, Reynaldo Soares da Fonseca, Joel Ilan Paciornik e o desembargador convocado, Carlos Cini Marchionatti.
Divergências
Divergiram do entendimento majoritário os ministros Ribeiro Dantas, Og Fernandes e Rogerio Schietti Cruz.
Ministro Og Fernandes sustentou que a controvérsia possui natureza eminentemente constitucional e, por isso, deveria ser decidida pelo STF,
Já ministro Rogerio Schietti defendeu o papel institucional do MP na condução de investigações criminais, ressaltando que eventuais abusos não podem servir de fundamento para impor restrições generalizadas à atuação do órgão. Além disso, considerou incoerente admitir o envio espontâneo de informações pelo Coaf e, ao mesmo tempo, vedar a possibilidade de requisição ativa desses dados pelo Ministério Público.
Processos paradigmas: RHC 174.173; RHC 169.150; REsp 2.150.571
Fio da meada
Em novembro de 2019, ao julgar o Tema 990 de repercussão geral (RE 1.055.941), o Supremo, por 9 votos a 2, firmou o entendimento de que é possível o compartilhamento integral de dados obtidos por órgãos de fiscalização e controle com o MP, para fins penais, sem necessidade de autorização judicial. No entanto, a Corte não firmou tese a respeito do julgado.
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1ª turma
Quase cinco anos depois, em abril de 2024, a 1ª turma do STF, por unanimidade, confirmou decisão do ministro Cristiano Zanin que validava o envio de dados do Coaf diretamente à polícia, sem necessidade de autorização judicial.
A decisão se baseou no Tema 990 e revogou acórdão do STJ que havia invalidado relatórios de inteligência financeira utilizados em investigação policial por terem sido requisitados diretamente, sem o crivo judicial.
O caso voltou para o STJ, onde a 6ª turma ressaltou entendimento diverso. É que, para o ministro Saldanha, relator do caso no STJ, haveria uma distinção entre o processo e o precedente do Supremo.
Mas, diante da ordem de Zanin, e em respeito à hierarquia entre as Cortes, os ministros validaram os relatórios do Coaf fornecidos sem autorização judicial.
2ª turma
No mesmo ano, a 2ª turma do STF, impediu o MP de requisitar diretamente à Receita Federal dados fiscais de contribuintes para uso em investigações criminais, sem autorização judicial. Por unanimidade, os ministros consideraram que, neste caso, os dados estão protegidos por sigilo constitucional, o que exige a prévia autorização de um juiz.
Na oportunidade, o relator, ministro Edson Fachin, reforçou que o entendimento do Tema 990 permite que o Fisco compartilhe dados com o MP, mas não autoriza o caminho inverso, ou seja, que o MP requeira dados diretamente ao Fisco sem controle judicial.
Reflexos no STJ
Na Corte da Cidadania também há divergência entre as turmas que a compõem.
A 5ª turma, por maioria, entendeu ser legítima a requisição de informações ao Coaf pelo MP, desde que haja a instauração prévia de inquérito formal.
Em sentido oposto, a 6ª turma firmou, por unanimidade, o entendimento de que é ilegal a requisição direta de RIFs ao Coaf por autoridades policiais sem autorização judicial.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/430359/stj-veda-requisicao-direta-de-dados-do-coaf-sem-autorizacao-judicial